LEILOEIROS
E quem dar mais?... É um, é dois e é três, vendido!
Cada vez que estamos participando de um “arraial”, ouvimos essa frase repetida infinitas vezes nas vozes dos nossos leiloeiros, esse personagem de fundamental importância na venda das prendas que são oferecidas como pagamento de promessas dos devotos de um santo ou para as candidatas a rainha da festa.
Gente criativa, que não só vende, mas, acima de tudo dar vida aos arraias. Tem o jeito todo especial de cativar, empolgar e motivar as pessoas para comprarem e a se sentirem bem. Ouvir seu nome nos microfones desse artista da palavra é sentir-se valorizado. Gente que mexe com palavras, que mexe com a gente, cutuca com elas a vaidade humana, criando sentimentos de satisfação, de vitória, de frustrações, de perdas, de derrotas.
Sem nomes definidos, geralmente conhecidos por apelidos, como “Sem Fim”, “Lamparina”, só para citar o nome de dois; eles invadem as comemorações de padroeiros da Amazônia com o seu modo particular de homenagear o santo padroeiro do lugar. Inventam termos, criando palavras sem nenhuma lógica de linguagem, mas, que todos entendem e sabem o querem dizer. Esses dois citados acima se definem como “Uma Dupla de três”, “KLB” (Ki Lapa de Bucho). São os leiloeiros.
Nessa linguagem de caboclo doido, vão misturando a realidade com a fantasia, comparando personagem das novelas que estão no seu auge com pessoas ali presentes. Brincando com o defeito físico ou uma parte do corpo de alguém. Dizendo algo do cabelo de um, da roupa de outro, chamando atenção para o modo de ser de um terceiro e tudo isso sem machucar, sem se comprometerem. Sempre criando um clima onde as pessoas querem ficar, porque gostam de ficar. E vão vendendo, leiloando: galinha assada, pato no tucupi, bolos, pudins, cachos de pupunhas, cachos de bananas, farinha, pirarucus, tambaquis, tartarugas, tracajás, porcos, bois, pequenos barcos de enfeite, móveis. Às vezes acontecendo de alguém dar uma prenda, arrematar e doar de novo para ser feito novo leilão do arrematado.
Nesses últimos anos com o advento da Internet se multiplicam os sites que fazem leilões on-line, onde qualquer pessoa que tenha dinheiro e esteja conectado na rede através de um computador, em qualquer parte do mundo pode dar o seu lance. Leiloa-se de tudo. Os lances são feitos através de plásticos, fios, da tela, do cartão de crédito e são contados em memórias virtuais. Não existe relação humana, o som da palavra falada, cantada, o toque e a satisfação da entrega.Mesmo com a Internet, são muitas as casas de leilões pelo mundo afora, de coisas caras, bens, jóias, objetos de arte de grande valores. Todas elas com seus leiloeiros de boa aparência, bem vestidos e perfumados; gente com responsabilidade de arrancar milhões dos freqüentadores endinheirados que não tem preocupações e nem sabem o que fazer com tanto dinheiro, na sua maioria gente que herdou grandes fortunas. Leiloeiros que funcionam quase como robôs, com suas vozes metálicas, sem jogo de palavras, sem brincadeiras, sem encantamento, sem vida.
Já no mundo dos santos protetores da Amazônia; o que seria da festa deles sem o leiloeiro? Com certeza mais triste. Como seriam os leilões? Com certeza uma venda formal, coisa de supermercado, fria, sem contato humano. Era ir para o arraial, chegar lá sentir falta de algo e voltar para casa com um sentimento de ausência, de perda. E em casa o vazio das palavras iria falar, gritar de algo perdido, algo que está na lembrança, no mais profundo do ser.
Por isso suas vozes continuam a ecoar, fazendo poesia, se misturando ao canto dos pássaros, formando o coral da floresta, desafiando o modo triste e frio de vender puramente comercial.
E quem dar mais?... É um, é dois e é três, vendido!
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